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A CONVERGÊNCIA DOGMÁTICA DOS FUNDAMENTALISMOS / Observações não conclusivas

Altierez dos Santos

Escritor e pesquisador de

Novos Movimentos Religiosos

na Universidade

Metodista de São Paulo

 

1º de Agosto de 2015

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES NÃO CONCLUSIVAS

 

 

O que nos dizem os fundamentalismos?

 

Por conta da diversidade própria dos fenômenos fundamentalistas é possível perceber muitas reivindicações em uma pauta nem sempre clara. Mesmo assim é possível perceber a urgência de três reivindicações ou mensagens:

 

A primeira mensagem é que o fundamentalismo é um movimento de retorno da religião a um lugar do qual ela foi deslocada pela modernidade1. Por isso, muito mais que ser um enfrentamento com ou sem motivações históricas ou sociais, o fundamentalismo advoga, ou melhor, reivindica, o restabelecimento da religião na sociedade. Quando aconteceu a “expropriação” das instituições mantenedoras do sagrado, a cultura voltou-se para outras experiências religadoras e desde então há a tentativa de recuperar o retorno ao cenário histórico, mesmo que isso ocorra sem diálogo. Se na civilização ocidental este é um processo que já leva meio milênio, na civilização islâmica possui não mais que cento e cinquenta anos, por isso o vigor da pauta religiosa muçulmana ao reagir a esta desapropriação.

 

A segunda mensagem dos fundamentalismos é que fundamentalista não é somente o outro, mas, para começo de conversa, eu. É necessário que eu também me veja como construção histórica e, portanto, carregando milênios de conceituações e formas de perceber o mundo que nem sempre levam em conta outros modos de olhar para a realidade. Creio na urgência desta mensagem pela grande desinformação que a mídia e determinados poderes causam ao tratar de temas como o terrorismo, por exemplo: presta-se um grande desserviço à população quando não se mostra a real origem das reações radicais2. Com esse obscurantismo midiático reafirma-se a concepção de que “fundamentalista é o outro”, bárbaro é o outro, demônio é o outro, nunca eu mesmo.

 

A terceira mensagem do fundamentalismo é que ele atua como marcador de tempo regressivo para o mundo. Quando mais destruição e agressões forem provocados pelos fundamentalismos, mais o mundo se aproximará de grande precarização, que trará consigo perdas históricas, geográficas, políticas, materiais, naturais e sobretudo de humanidade. Em um determinado momento do conflito passa a ser muito difícil notar traços humanos naqueles com os quais se está lutando. A dinâmica da violência é cíclica e aprofunda o distanciamento dos envolvidos tornando difícil lembrar os motivos que causaram a primeira discórdia. No fim das contas a violência que elimina a humanidade do outro elimina também e primeiramente a humanidade do que a pratica. Não há vencedores.

 

Estas reflexões não concludentes nos obrigam a olhar com atenção para a cultura de violência simbólica que está no início de tantos conflitos. Principalmente porque a violência simbólica é uma forma de agressão muito sutil e eficaz como agressão; o seu desenvolvimento – ao se transformar em ação violenta – não representa um “salto qualitativo”, pois tanto o aspecto simbólico-ideológico quanto o aspecto físico-destruidor são partes da mesma violência. O Brasil tem apresentado eventos notáveis que se relacionam ao que foi chamado “cultura do ódio” não apenas no campo religioso, que é o principal enfoque destas notas sobre fundamentalismo, mas também em outros campos. Quando brasileiros no início de 2015 se utilizaram das mídias e redes sociais para se manifestar sobre escândalos de corrupção contestar os resultados das eleições e algumas políticas ou programas públicos a expressão “cultura do ódio” foi muito utilizada. Naquela ocasião o discurso religioso (que esteve presente nos posicionamentos políticos) foi instrumentalizado em favor da defesa ou condenação de questões diversas questões políticas. Também já mencionamos alguns episódios religiosos relacionados à intolerância ao diferente no campo religioso brasileiro. Se uma reflexão séria e madura não for iniciada, é possível que o campo das violências comece a aumentar, passando do nível simbólico ao da agressão física, processo que frequentemente cria, nos opositores, personificações do mal que devem ser combatidas. Se realizada tal reflexão, é possível que ela revele o evidente: a existência do outro, do diferente, da minoria não representa uma afronta à minha exsitência. Pode representar uma riqueza.

 

 

 

NOTAS

 

1 Marilena Chauí assim se expressa sobre o esquecimento da religião: “Dessa maneira, a modernidade simplesmente recalcou a religiosidade como costume atávico, sem examiná-la em profundidade. Sob uma perspectiva, considerou a religião algo próprio dos primitivos ou dos atrasados do ponto de vista da civilização, e, sob outra, acreditou que, nas sociedades civilizadas adiantadas, o mercado responderia às necessidades que, anteriormente, eram respondidas pela vida religiosa, ou, se se quiser, julgou que o protestantismo era uma ética mais do que uma religião, e que o elogio protestante do trabalho e dos produtores cumpria a promessa cristã da redenção” (2006: 129).

 

2 Na análise deste processo de demonização do outro totalitarismo, Franz Hinkelammert diz que: “Consequentemente, se a sociedade burguesa efetua uma crítica de violações dos direitos humanos, ela o faz sempre contra estes pretensos despotismos, comprovando que suas próprias violações dos direitos humanos são necessárias como consequência de sua luta contra as violações de per si cometidas pelos outros. Desde essa perspectiva, as violações burguesas dos direitos humanos perdem toda a importância, e a sociedade burguesa chega a ser uma sociedade sem nenhuma consciência moral perante as próprias violações desses direitos” (1995:35).

 

 

 

 

LEIA MAIS:

- Análise: O que os grandes fundamentalismos da atualidade possuem em comum?

- O fundamentalismo judaico

- O fundamentalismo cristão

- O fundamentalismo islâmico

- A convergência dogmática dos fundamentalismos

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

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