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O QUE OS GRANDES FUNDAMENTALISMOS RELIGIOSOS DA ATUALIDADE POSSUEM EM COMUM? / Apresentação

Altierez dos Santos

Escritor e pesquisador de

Novos Movimentos Religiosos

na Universidade

Metodista de São Paulo

 

25 de Agosto de 2015 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Analisaremos nesta pequena série de artigos a questão dos fundamentalismos religiosos cristão, judaico e islâmico enquanto associados a interesses econômicos e políticos. A partir da criação do conceito fundamentalismo, inicialmente aplicado a protestantes estadunidenses integristas, será apresentada a apropriação do termo para caracterizar dogmatismos/totalitarismos político-religiosos que, por serem fenômenos correlatos e mutuamente excludentes, chocam-se e provocam crises e conflitos mundiais. Os fundamentalismos cristão, judaico-sionista e islâmico, enquanto beligerantes, são reflexos da cultura de violência e da sociedade globalizada. O fundamentalismo religioso, contudo, é um fenômeno que tem algo a dizer ao mundo contemporâneo.

 

 

APRESENTAÇÃO

 

 

Historicamente o termo fundamentalismo é uma criação moderna e localizada no espaço e no tempo. Conhecer a origem do conceito e seu desenvolvimento é também uma forma de ampliar a compreensão de que não há um único fundamentalismo, mas múltiplos.

 

O emprego clássico do termo está vinculado à conceituação do movimento religioso surgido na América do Norte a partir da segunda metade do século XIX, segundo o qual a Bíblia, mais que revelação divina, é entendida como fonte de conhecimento exato até mesmo para questões não religiosas. O período foi marcado por urbanização, industrialização, fim da guerra civil, difusão de novas teorias científicas sobre o homem e a natureza e emergência de novos padrões culturais. Os detonadores da reação literalista da Bíblia foram novas descobertas realizadas que obrigaram a repensar a lógica bíblica. Entre essas inovações estavam a teoria da evolução, o conhecimento da antiguidade do mundo, a descoberta dos fósseis e estudos comparados de religiões.

 

As transformações traziam muitos questionamentos à sociedade e especialmente à religião. Por isso grupos protestantes articularam uma reação contra o que poderia ser a degeneração de uma sociedade vista como piedosa. Como escopo da reação estava a atuação no campo político.

 

Mesmo dentro dos círculos religiosos as novidades do conhecimento causavam divisões, como a interpretação da Bíblia como um livro de mitologia e literatura escrito em determinadas conjunturas e que, por isso, poderia ser lido sem chaves dogmáticas ou como oráculo de Iavé. Diversos segmentos eclesiásticos reagiram contra esta inovação, chamada “teologia liberal”, reafirmando determinadas verdades de fé. A comunidade presbiteriana, por meio da Escola de Princeton, foi a pioneira nessa reação inclusive ao se utilizar de recursos científicos para comprovar a autenticidade e literalidade da narrativa bíblica. A partir daí, outras comunidades e grupos protestantes passaram a fazer uma cruzada anti-liberalista e conceitos como inerrância, infalibilidade e caráter sacral da Bíblia passaram a ser determinantes na prática religiosa e teológica. Ao longo do século XX o desenvolvimento do fundamentalismo se intensificou no combate ao secularismo através da reafirmação de mitos fundantes dos Estados Unidos (nação eleita, terra da liberdade, destino manifesto etc). O campo das instituições políticas foi gradualmente ocupado pelos representantes desta mentalidade.

 

Ocupando as igrejas, a política e os meios de comunicação, esse dogmatismo logrou reforçar nos mitos fundadores dos Estados Unidos a necessidade de seguimento correto da Palavra de Deus – e por seguimento correto entendia-se a leitura literal. Isto gerou uma postura reacionária, conservadora e aguerrida nos círculos sociais e políticos.

 

Contudo, se esse fenômeno é recente, a palavra fundamentalismo é ainda mais jovem e passou a ser reconhecida academicamente a partir dos anos 1960 dentro do cristianismo e, a partir de 1979, quando aconteceu a Revolução Iraniana, empregada também ao dogmatismo islâmico, sendo hoje utilizada como designação para outros dogmatismos com fundo religioso ou totalitário. Assim é possível falar do fundamentalismo religioso, mas também político, econômico e científico.

 

O fundamentalismo, quando associado a questões políticas, geralmente tem posições unilaterais, baseadas ou não em interpretações reducionistas da religião. Nesse caso, o fundamentalismo que é naturalmente portador de dogmatismo, passa a manifestar-se, em maior ou menor grau, de forma totalitária. Portanto tomaremos neste trabalho os termos totalitarismo, dogmatismo e fundamentalismo como sinônimos sempre que houver associação entre mentalidade religiosa integrista e esfera político-governamental.

 

O fundamentalismo religioso da atualidade é marcado pela radicalidade e ação política organizada – o que é percebido também, no Brasil no momento atual. Ele tem muitas de suas características emprestadas da sociedade do conhecimento e do mercado, que, aliás, são elementos combatidos em muitos discursos fundamentalistas, mas com os quais há colaboração ou assimilação. Eclodindo em diversas modalidades, esse fundamentalismo é, ao mesmo tempo, uma utopia desvirtuada, uma ideologia malevolente e um culto sacrificial. Embora a base do fundamentalismo seja evidentemente a religião, no fundamentalismo moderno suas bases dogmáticas se completam na aliança com dois outros totalitarismos dogmáticos: a ciência e o mercado.

 

No presente momento três fundamentalismos de cunho religioso operam no cenário mundial: os dogmatismos judaico, cristão e islâmico. Historicamente eles estão em rota de colisão por fecharem-se progressivamente na justificação de si mesmos e na negação de outros modelos teológicos. Temos assim o paradoxo de três religiões com a mesma base cultural e um olhar estereotipado e mutuamente excludente entre si.

Analisaremos alguns aspectos de cada um destes fenômenos nos próximos artigos.

 

CONTINUA: O fundamentalismo cristão

 

 

NOTA

Originalmente esta reflexão foi publicada na Revista Reflexão, da FAJOPA, sob o título de "A Convergência Dogmática dos Fundamentalismos":

 

http://fajopa.com/contemplacao/index.php/contemplacao/article/view/67/69 

 

 

 

LEIA MAIS:

- Análise: O que os grandes fundamentalismos da atualidade possuem em comum?

- O fundamentalismo judaico

- O fundamentalismo cristão

- O fundamentalismo islâmico

- A convergência dogmática dos fundamentalismos

 

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