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ARTE E RESISTÊNCIA / Quando a profecia vem das ruas

Renato Santos

Historiador, pós-graduando

em História Africana

Colaborador do Observatório

da Violência Religiosa

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21 de Novembro de 2018 

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“HOJE A TIJUCA PEDE EM ORAÇÃO 
VESTE A FANTASIA PRA FAZER O BEM 
MULTIPLICA O SAGRADO PÃO 
AMEM (AMEM)”

 

 

Ao ouvir o samba da Unidos da Tijuca, recentemente (pois estava ainda hipnotizado pelo da mangueira, outra obra-prima), depois da indicação “despretenciosa” da professora Magali Cunha em um link em determinada rede social, me vem o ímpeto de escrever sobre essa realidade, como um local - um morador do Rio de Janeiro, crente em Jesus Cristo e que, a uns bons anos, enxergava essa festa popular como profana. Hoje, na qualidade de um professor de História e estudante de Teologia, além de um amante do sagrado e do transcendente, eu me pergunto: como não ser impactado por essa “oração” que vem da Tijuca?

 

“OUÇO CHAMAR MEU NOME, OUÇO UM CLAMOR DE PRECE, CHORO AO TE VER COM FOME SOU O CORDEIRO QUE A ALMA FORTALECE”.

 

E, ainda à aula de história com que a Estação Primeira de Mangueira nos brinda “... desde 1500 têm mais invasão do que descobrimento...”. Junte isso a uma explosão de transcendência e sacralidade na explosão rítmica do Salgueiro em seu enredo:

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“MORA NA PEDREIRA, É A LEI NA TERRA. VEM DE ARUANDA PARA VENCER A GUERRA. EIS O JUSTICEIRO DA NAÇÃO NAGÔ, SAMBA CORRE GIRA, GIRA PARA XANGÔ”.

 

Logo, ouve - se um clamor que vem das ruas; da “festa profana. Uma voz humanizada, com forte clamor antropológico e, ao mesmo tempo, rica de sentido espiritualista. Há em nós, muitas vezes, uma tentativa epistemológica arrogante de tentar explicar ou conceituar o fato em questão. A verdade é que, quando ouvimos essas canções, somos como que arrastados por essa poderosíssima e revigorante enxurrada de ritmos e palavras que saltam os olhos e ouvidos, dialogando com o povo e suas mazelas. Orações travestidas de samba-enredo que desnudam a realidade crônica e pungente aos seres, na atual conjuntura brasileira, que estão extremamente carentes de pão; de fé e afetos; de presente e de futuro. Essas agremiações trazem, não só a evocação histórica - identitária ““... com versos que o livro apagou...”, e nem tão somente o Ethos da africanidade representada nos versos do Salgueiro, ou ainda (e não menos importante) a oração emocionante da Tijuca. Tanta metafísica e dilatação da consciência  só poderiam  nos levar , com efeito, a um exercício de  profunda  reflexão das nossas demandas de sentido existencial e de identidade, de nação nesse vinte de novembro, Dia da Consciência Negra.

Para nós, afrodescendentes, urge repensar a diáspora; o sankofà (o retorno às raízes) aos povos que nos principiaram enquanto matriz: bantos hauçás, jejes, nagôs - dessas nações que aqui foram trazidas à força de ferros e grilhões. Hoje a profecia veio das ruas. Um grito que denuncia a negação do sentimento de pertença e de ajuste com seu passado, como diz a profecia/oração/samba-enredo, que vem das ruas.

 

”AS MÃOS UNIDAS VEM PEDINDO O PERDÃO GENTE SOFRIDA COM A PAZ NO CORAÇÃO DIVIDEM O POUCO QUE TEM PRA COMER.”

“NA IGREJA OU NO CANDOMBLÉ A BENÇÃO, MEU ORIXÁ!”

 

E depois, de alma lavada, seguimos na Paz do Senhor, na fé ecumênica e no Asè, juntos e enredados.

(Artigo inspirado no texto de Magali Cunha)

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