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A CONVERGÊNCIA DOGMÁTICA DOS FUNDAMENTALISMOS / O fundamentalismo cristão

Altierez dos Santos

Escritor e pesquisador de

Novos Movimentos Religiosos

na Universidade

Metodista de São Paulo

 

1º de Agosto de 2015

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O FUNDAMENTALISMO CRISTÃO

 

 

Segundo Hinkelammert a cultura ocidental é tipicamente violenta, por isso ela engendrou ao longo do tempo diversas formas de manifestar essa violência, que muitas vezes foi realizada com a intenção de promover um bem maior:

 

Refiro-me à violência em nome do amor: a morte de bruxas e hereges na fogueira por amor ao próximo, as cruzadas, a conquista da América por amor às suas populações e para salvar suas almas, apelando ao genocídio, provavelmente o maior de toda a história humana, algo que se repete em todos os processos de colonização posteriores. Coloniza-se, viola-se em toda parte, algo que continua hoje com as “intervenções humanitárias” que desembocam regularmente em grandes genocídios, sempre em nome do amor, dos direitos humanos, da “carga do homem branco”, e assim por diante (HINKELAMMERT, 2014: 168).

 

Constata-se que grande parte dos conflitos em andamento no mundo atual são resultado da interferência ocidental em outras culturas. Tal interferência se processou sistematicamente sob o signo da cruz e via de regra o fez de forma totalitária e conquistadora.

 

Essa mentalidade conquistadora foi historicamente muito presente no cristianismo que chegou à América nos séculos XVI e seguintes, como pontuado por Hinkelammert. Mas não esta não parece ser uma marca do catolicismo, apenas, mas do cristianismo nas Américas. As dinâmicas de conquista e conversão também são comuns a diversos movimentos religiosos protestantes que surgiram na América Latina. No Brasil, por exemplo, a ação missionária de diversos grupos pentecostais e neopentecostais revestiu-se menos de características evangélicas e mais de aspectos contra-católicos que frequentemente degeneraram em confrontos abertos e velados motivados pelo que Ribeiro (2013) chamou de “violência simbólica”, violência que pode transitar da esfera simbólica para a realidade em forma de “militância” religiosa. Casos envolvendo atitudes de intolerância e fundamentalismo, segundo Ribeiro, podem originar-se em discursos de violência simbólica, como se viu no episódio do “chute na santa”1 (1995), no “vandalismo de Umari”2 (2009), e, dentre muitos outros, na polêmica envolvendo o líder pentecostal Silas Malafaia e uma empresa de cosméticos às vésperas da Parada Gay ocorrida em São Paulo em junho de 20153. Este último evento trouxe à tona o aspecto totalitário dos fundamentalismos, que procuram estabelecer padrões de controle sobre as maiorias.

 

Mas a pretensão de totalidade religiosa no Brasil não é apenas dos grupos protestantes. Em 2008 o Poder Judiciário da Bahia ordenou o recolhimento de milhares de unidades do livro “Sim, sim! Não, não!”, escrito por Padre Jonas Abib, líder pentecostal católico. O livro associava as religiões afro-brasileiras a práticas demoníacas e incentivava os fiéis a destruírem estátuas religiosas de Iemanjá e de outros orixás.

 

Num âmbito mais geral, o dogmatismo cristão mais saliente na atualidade é o que opera a partir dos Estados Unidos, onde, a partir da década de 1970, diversas correntes de cristãos fervorosos quiseram estender à política um script religioso, passando das questões morais para a política externa com relativa facilidade graças à ideologia do “destino manifesto”.

 

No período que estamos focalizando, dá-se uma entrada em cena espetacular do teleevangelismo cada vez mais explicitamente político: Jerry Falwell passa a comandar, na Maioria Moral, a campanha para devolver um orgulho nacional de cariz religioso a uma nação combalida e sujeita a 'síndromes' debilitantes de seu auto-apreço (ASSMANN, 1986: 25).

 

Entendendo os EUA como guardiões de valores éticos e evangélicos, muitos líderes religiosos e políticos incentivaram guerras de conquista, extermínio ou saque, que passaram a ser chamadas de intervenções de paz ou operações humanitárias (cf. op. cit., 2014).

 

Como exemplo desta “missão civilizatória” podemos ver o apoio dos Estados Unidos a Israel na política internacional, que tem em sua base a identificação entre o fundamentalismo judaico e o cristão, representado no mundo sobretudo a partir das ideias de grupos religiosos de origem estadunidense. Tais grupos, marcados pelo obscurantismo bíblico e intolerância ao diferente, promovem em diversos países onde atuam a disseminação de uma mentalidade segregacionista, violência religiosa e proselitismo também violento mais ou menos nos moldes de “a cruz ou a espada”.

 

Nos Estados Unidos, onde possuem poder econômico, os extremistas cristãos, empregam suas energias para comprovar o “destino manifesto” principalmente elegendo congressistas que defendem o criacionismo e autorizem ações armadas contra países bárbaros e pagãos. Paulo Sérgio Rouanet lembra que mesmo tendo sido exposto ao ridículo mundial pela característica de tomar simbolismos bíblicos como reais graças à interpretação literal, os fundamentalistas continuam muito vivos e atuantes: “durante a Guerra Fria, desfraldaram a bandeira do anticomunismo e hoje combatem o aborto e o homossexualismo. Seu poder já ultrapassa os Estados Unidos” (ROUANET, 2001). De fato, na América Latina e África onde grupos radicais cristãos têm ampla penetração, a violência mantém-se quase sempre no nível ideológico, mas se ramificam na política e ensaiam uma possível conflagração tão logo tenham força numérica para tanto.

 

Contudo, é sempre difícil até mesmo para os mercenários mais puritanos disfarçar a verdadeira motivação de tantas pugnas do bem contra o mal: o interesse econômico e a necessidade de novas áreas coloniais, mercados ou minérios foi sempre o grande butim de guerra que o exército imperial buscou, como por exemplo, o controle do petróleo na Guerra do Iraque ou a apropriação das jazidas do Afeganistão.

 

Quando o presidente dos estadunidenses acreditou que sabia quem era o causador do ataque aos prédios do 11 de setembro, batizou a intervenção no Afeganistão como “Justiça Infinita”, expressão que evoca um dos atributos da divindade. Afinal, os norte-americanos estavam agindo em nome de seu deus, que, aliás, é o único verdadeiro. E foi como força política e ao mesmo tempo “missionária” que os EUA intervieram em diversos países do mundo que de alguma forma se comportaram fora da ortodoxia esperada. O Oriente Médio foi apenas um dos diversos focos de conflitos que resultaram da intervenção messiânica ocidental.                                                          CONTINUA O fundamentalismo judaico

 

NOTAS

 

1 O “chute na santa” foi protagonizado pelo bispo Sérgio Von Helde, da Igreja Universal no Reino de Deus e transmitido pela TV Record para todo o Brasil no dia 12 de outubro de 1995, data em que os católicos homenageiam Nossa Senhora Aparecida.

 

2 O episódio de Umari, Ceará, é apenas um entre diversos casos envolvendo ataques a símbolos religiosos não apenas católicos, mas também de religiões afro-brasileiras e outros cultos. Sobre o fato de Umari pode-se ler a notícia em: http://noticias.gospelmais.com.br/evangelica-invade-igreja-catolica-e-destroi-18-imagens-e-7-quadros.html , acessado em 07 de Junho de 2015.

 

3 O comercial em questão, da empresa “O Boticário”, apresentava casais heteros e homoafetivos presenteando-se dentro do contexto do dia dos namorados. Malafaia convocou um “boicote evangélico” contra a marca, que parece ter tido efeitos contrários, pois causou a reação de evangélicos contrários ao boicote e levou muitas pessoas a tomarem a marca de perfumes como uma bandeira de luta contra a inolerância. O boicote que foi boicotado foi amplamente noticiado, como se vê neste portal gospel: http://noticias.gospelprime.com.br/ganhando-boicote-boticario/ , acessado em 07 de Junho de 2015.

 

 

 

LEIA MAIS:

- Análise: O que os grandes fundamentalismos da atualidade possuem em comum?

- O fundamentalismo judaico

- O fundamentalismo cristão

- O fundamentalismo islâmico

- A convergência dogmática dos fundamentalismos

 

 

 

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