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A CONVERGÊNCIA DOGMÁTICA DOS FUNDAMENTALISMOS / O fundamentalismo islâmico

Altierez dos Santos

Escritor e pesquisador de

Novos Movimentos Religiosos

na Universidade

Metodista de São Paulo

 

15 de Agosto de 2015

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O FUNDAMENTALISMO ISLÂMICO

 

 

 

O radicalismo islâmico por sua vez, tem dois motivadores: 1) a interpretação proselitista que alguns grupos religiosos dão ao Corão e 2) a reação cultural-religiosa a situações de exclusão, totalitarismo e a variados problemas não resolvidos da era colonial.

 

O primeiro motivo serve de válvula de escape para grupos que se sentem inferiorizados de alguma forma e faz eclodir conflitos, guerras e crimes em diversos lugares. Por outro lado, núcleos clericais dão voz a estes descontentamentos ao atribuir ao Ocidente e seus costumes a degradação da civilização muçulmana.

 

A segunda razão é, de longe, a que causa mais reações, pois a partilha colonial conseguiu cimentar uma cultura popular abertamente anti-ocidental (também entendida como anti-cristã), o que motiva diversos fenômenos que no Ocidente são vistos como intolerância ou terrorismo, mas que na ótica histórica daqueles povos aparece como reação. A mídia ocidental, no entanto, via de regra, realiza uma comunicação parcial sobre estas convulsões. É comum vermos em nossas telas os Estados muçulmanos serem caracterizados por falta de liberdade, tolerância e direitos humanos, com países onde ditadores acobertam perigosos terroristas. O que não se veicula é que ditadores e terroristas foram ou são financiados, por determinados países imperialistas adeptos da política de terrorismo de Estado.

 

Há muitos efeitos da era colonial e pós-colonial que afetam a comunidade cultural muçulmana. Conceitos como martírio, messianismo e submissão religiosa na verdade podem esconder processos de inconformidade social contra o saque colonial, as fronteiras artificiais, a questão israelense e a invasão e promovida por Estados Unidos e aliados sempre que seja necessário retirar algum ex-amigo ditador ou caçar algum ex-colega terrorista.

 

Como dito antes, curiosamente foi no Oriente Médio que o termo fundamentalismo foi empregado pela primeira vez para denominar um processo inédito, o que foi possível pela proximidade conceitual entre os fenômenos (moralização da política pela fé). Breno Martins Campos (s/d.:5), citando Flávio Antônio Pierucci, assim narra a apropriação e difusão do termo fundamentalismo:

 

Dada a origem protestante do termo e da tradição fundamentalista, por que os radicais islâmicos são hoje chamados de fundamentalistas, se não são cristãos e nem estão preocupados em defender as doutrinas fundamentais do cristianismo? A resposta vem da história: "A confusão terminológica veio à tona quando o aiatolá Khomeini derrubou o xá [Reza Pahlevi]. Foi em 1979" (Pierucci, 1999, p. 177).

 

Em nome de Alá e Maomé, a rebelião religiosa derrubou o regime político laico e seu governo e estabeleceu um regime teocrático e totalitário. No Irã, país da revolução religiosa, e depois em outros países islâmicos, os textos do Corão passaram a ser interpretados e utilizados para legitimar o uso e o abuso da força pelos governantes contra opositores, fossem eles países, governos ou pessoas.

 

Nenhum termo do universo islâmico capaz de nomear aquele acontecimento e suas motivações era suficientemente conhecido no ocidente. Um neologismo ("khomeinismo", por exemplo) poderia até pegar, mas o sentido de urgência muito próprio da mídia exigiu pressa. Em 1979, e ainda hoje, o mundo islâmico era um grande outro cultural desconhecido. A solução? "O jeito foi recorrer às pressas ao baú e ismos das igrejas ocidentais" (Pierucci, 1999, p. 178). Foi assim que o noticiário ocidental, da década de 80 do século passado, passou a chamar de fundamentalistas os muçulmanos sectários e fanáticos.”

 

A mesma motivação dos aiatolás é utilizada por centenas de grupos doutrinados e militarizados que lutam até mesmo entre si para moralizar os costumes da religião islâmica. Sobretudo na África, onde as estruturas sociais foram muito fragilizadas, disseminam-se grupos fortemente aparelhados para realizar uma versão própria da revolução islâmica (ações que costumam implicar mortes). Por isso países como Mauritânia, Mali, Níger, Chade, Sudão, Nigéria, Argélia, Marrocos, Tunísia, Líbia, entre outros, padecem sob a ação de guerrilhas frequentes que misturam motivações políticas, econômicas, tráfico de drogas/armas/pessoas a discursos radicais religiosos.

 

Esses movimentos, com grande capacidade de mobilização e articulação deixaram perceber que os efeitos dos fundamentalismos não estão mais circunscritos a zonas geográficas fixas. Os fundamentalismos cristão e judaico agem por meio de conexões formais em outros continentes e também em colaboração entre si. Mas quanto ao islâmico, há uma grande vantagem nessa mobilização global de constituição informal, já que as ondas migratórias em direção aos países ricos e a elevada taxa de natalidade fazem com que os muçulmanos constituam expressivas comunidades. Neste caso, de acordo com o estudo de Alexandre Santos de Amorim (2008:21) mesmo os descendentes de imigrantes muçulmanos, já de terceira ou quarta geração, nascidos na Suíça, Canadá ou Argentina, e que são cidadãos de tais países, identificam-se com motivações que são comuns ao fundamentalismo islâmico, tais como identidade, religião, reação ao imperialismo etc.

 

Açodados pelos confrontos que tiveram com o a ação colonialista, a “urgência do combate aos infiéis” é mais uma vez atualizada e convalidada pelos dois outros totalitarismos. Os eventos de 11 de setembro foram um marco histórico para o mundo globalizado, pois na ocasião os três fundamentalismos de alguma forma se fizeram participantes da tragédia. Outros eventos como o ataque ao jornal francês Charlie Hebdo no início de 2015 alertaram o mundo de que a questão ainda está em aberto. Muito menos noticiado que o ataque ao pasquim francês e com algumas semanas de antecedência àquele atentado, o grupo extremista Boko Haram perpetrou uma série de atentados no norte da Nigéria, atingindo ao menos duas mil pessoas. O grupo, que defende o cumprimento da sharia, a Lei Islâmica, destruiu vilas inteiras e sequestrou em abril de 2014 cerca de 250 meninas que não foram mais encontradas. A emergência do Estado Islâmico, que é representativo de vários outros movimentos similares em diversos países, faz crer que tais grupos fundamentalistas tenham certo apoio em bases populacionais e geográficas, como qualquer grupo extremista e por isso a questão da violência possa ser ainda mais complexa, pois aparentemente está arraigada culturalmente. O que é válido para judeus, cristãos, muçulmanos e demais expressões culturais-religiosas.

 

A intersecção dos três fundamentalismos é uma marca atual do mundo globalizado e um desafio aos direitos humanos.

 

CONTINUA: A convergência dogmática dos fundamentalismos

 

NOTA

 

1 Entendemos os conceitos judaísmo e sionismo como distintos. Por judaísmo entenderemos o que se refere à cultura hebraica religiosa ou não. Por sionismo entenderemos o movimento político-ideológico que decretou a expulsão do povo palestino de sua terra para dá-la a colonizadores de outros continentes bem ao estilo clássico das guerras de invasão, destruição e conquista.

 

 

LEIA MAIS:

- Análise: O que os grandes fundamentalismos da atualidade possuem em comum?

- O fundamentalismo judaico

- O fundamentalismo cristão

- O fundamentalismo islâmico

- A convergência dogmática dos fundamentalismos

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