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"PROTESTANTISMO É MAIS IMPORTANTE" / Professor é demitido por utilizar livros com referências à cultura africana

IVAN POLI

24 de Novembro de 2018

 

 

 

 

Sou professor da USP em um curso de pós-graduação em Relações Raciais, Cultura e Educação na Escola de Comunicações e Artes (ECA- USP) Até dia 20 de junho integrei também o grupo de docentes da graduação em Pedagogia da Universidade de Guarulhos (UnG).

Fui demitido da Universidade de Guarulhos devido à baixa avaliação dos alunos (80% evangélicos neopentecostais) motivados pelo fato de eu ter usado no curso meu livro “Pedagogia dos Orixás”, resultado de minha dissertação acadêmica de Mestrado utilizada como base em diversos relatórios meus para a adoção de diversas políticas públicas do Ministério da Educação e da SEPPIR - Presidência da República durante os governos Dilma. Tive a autorização da Coordenação do Curso para utilizar tal livro no curso na disciplina de Filosofia que ministrava para os quintos semestres em dois campi nos quais a Comunidade evangélica neopentecostal chega a 80%.

 

O livro, que é uma dissertação de Mestrado e, portanto um livro acadêmico e não religioso, tem capítulos sobre Sociologia da Educação e Diversidade, Legislação sobre lei 10639/03 e 11645/08 e Psicologia da Educação e Diversidade e somente no final faço a defesa da utilização da mitologia africana e literatura oral na Educação, assim como são utilizadas em nosso espaço escolar as mitologias nórdica e helênica sem por isso serem demonizadas. Usei no Curso somente os capítulos sobre Sociologia e Psicologia da Educação e Diversidade e nem cheguei a utilizar as partes que defendem a mitologia africana na Educação.

 

Contudo somente o fato do livro se chamar “Pedagogia dos Orixás" e eu na dedicatória oferecer a obra para meus ancestrais na figura do Orixá Xangô e a pessoas e locais importantes nas Matrizes Africanas no combate ao Racismo já foram motivos para que diversos grupos de alunos questionassem a utilização do livro. Em um dos campi a representante falou pela classe que eu estava usando um livro religioso que havia alunos que se recusavam a ler. No mesmo Campus os alunos do Noturno reclamaram na Secretaria da Religiosidade do meu livro (acadêmico) e que não iriam ler devido ao título. (O que é o mesmo absurdo de um aluno ateu se recusar a ler o clássico da Sociologia de Max Weber “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo" só por fazer referências ao Cristianismo).

 

A Secretaria me aconselhou a passar somente as páginas a serem lidas sem o título do livro para que os alunos não ficassem insatisfeitos, já que é uma diretiva do Grupo SER não deixar os alunos insatisfeitos. Recusei-me e pedi que se houvesse algo inadequado em nível acadêmico quanto ao livro que fizessem uma resenha crítica com fundamentação teórica em autores indicando as razões já que se trata de uma obra acadêmica e não um livro religioso. (que se defendessem mitologias nórdica ou helênica não seria questionado). Logo na primeira aula já houvera sido conflituosa nestas turmas quando disse que não era proibido falar em mitos africanos em suas dimensões sociológica (que cria corpos sociais) ou pedagógica (que cria arquétipos de comportamento) e que fazem parte de nossa constituição identitária no Brasil de forma mais intensa que os mitos helênicos ou nórdicos que ao contrário dos africanos não são demonizados, mas que o que era proibido era orar nas escolas públicas (prática comum em escolas Públicas da Grande São Paulo, sobretudo por professores cristãos evangélicos, apesar de proibida), pois isso sim feria o princípio de laicidade das instituições públicas no Brasil.

Tive reações de surpresa e espanto de alunos que afirmavam que não viam mal nesta prática de orar em escola pública, para "acalmar as crianças". Em outro campus, quando propus a resenha de capítulos do livro Pedagogia dos Orixás , sobre Sociologia e Psicologia a representante da sala me chamou com outra aluna igualmente evangélica e me pediu que desse outros livros de outros autores, pois se encontrava impedida por razões religiosas de fazer uma resenha de capítulos do meu livro (acadêmico) por eu ter oferecido minha obra e meu anel de pós-graduação a meus ancestrais africanos na figura de Xangô de quem descendo pela corte de Oyo (minha origem mais nobre) e a pessoas ilustres no combate ao racismo e locais tombados pelo Patrimônio Histórico Nacional que para ela eram coisa do demônio.

 

Falei que aquilo era um absurdo, que era a mesma coisa que um professor ateu deixar de ler um trabalho acadêmico de um aluno por ele dedicar a Deus por ser ateu e citei o caso da obra de Weber “O Espírito do Capital e a Ética Protestante”. Tenho a resposta que "o Protestantismo é mais importante", o que justificaria a leitura acadêmica de Weber. Falei que aquilo era Racismo e profundamente ofendido por ter atacada a memória de meus ancestrais que ajudaram a constituir nossa civilização e História Nacionais me recuso a trocar de livro acadêmico por razões religiosas e disse que se se achassem injustiçadas que fossem à justiça ou à Coordenação. Sentiram-se ofendidas por serem chamadas de racistas e disseram que se recusariam a estudar qualquer coisa que envolvesse Mitologia Africana.

 

Na semana seguinte sou chamado pela coordenação, pois a representante da sala que me pediu para mudar de livro listou uma série de descontentamentos quanto minhas aulas e como é uma diretiva do grupo SER não deixar os alunos insatisfeitos fui obrigado pela Coordenação a me retratar frente os alunos daquela classe quanto aqueles descontentamentos. Entre os descontentamentos estava o fato de eu manter a utilização do meu livro acadêmico “Pedagogia dos Orixás” naquela turma, que eu deveria me explicar e me retratar frente às alunas por isso. Disse à Coordenação que aquilo era um absurdo, pois é ilegal academicamente trocar um livro acadêmico por razões religiosas e que aquilo era passível de denúncia (inclusive no Ministério Público conforme já ocorreu no Amazonas de alunas neopentecostais se recusarem a ler Macunaíma somente pelo fato de conter mitos africanos no texto) e depois de deixar bem claro isso, afirmo que devido pressão da Coordenação ao ver a insatisfação religiosa dos alunos (que academicamente não havia justificativa) mudaria a atividade para um questionário sobre diversidade.

 

Ao se sentir ameaçada por provável denúncia ao Ministério Público, a Coordenação no dia seguinte, em represália, me dá uma Advertência frente à Chefia de Área alegando, entre outras coisas, que eu houvera mudado o conteúdo bibliográfico do curso sem sua autorização. (O que tenho provas que é mentira) e me passando a avaliação institucional dos alunos (80% evangélicos neopentecostais) que segundo ela fora uma das mais baixas entre todos os professores já prenunciando que não seguiria no curso o semestre seguinte Uma aluna chegou a me dizer que tomasse cuidado, pois havia um grupo grande de alunos que estavam combinando me avaliar mal devido ao fato de eu ter obrigado os a fazer a resenha de capítulos do meu livro “Pedagogia dos Orixás" para que não continuasse na Universidade no próximo semestre, e não duvido que isso tenha sido combinado em algum culto neopentecostal de alguma igreja da região. De qualquer fome sigo em diante e aplico juntamente com a prova final o questionário sobre diversidade que houvera prometido a Coordenação. Na sala que fui questionado pela representante para que mudasse o livro, esta representante que era evangélica, se recusa a preencher o questionário, dizendo frente a toda classe que fizera aquilo para “Salvar meu emprego” (o que deixa claro que o descontentamento levado por ela a Coordenação tinha como objetivo fazer com que eu perdesse o emprego) e que tinha ficado muito irritada com minha dedicatória de meu anel de pós-graduação e obra a meus ancestrais na figura de Xangô e pessoas célebres no combate ao racismo no Brasil.

 

Além disso, incitou a que as demais alunas da sala não preenchessem o questionário ao que cerca de uma dezena seguiu. Disse que se colocasse o nome dela no questionário o caso sairia dali em tom ameaçador a frente de toda classe já que sabe que a premissa número um do grupo SER é de que os alunos não fiquem insatisfeitos. O fato é que nas três classes que apliquei este questionário é assustador o número de alunos da instituição que não sabem o que é “Laicidade”, que não acham problema orar em escola pública e que afirmam que terão esta prática se professores de escola pública. Da mesma forma é alarmante o número de alunos que se recusariam a trabalhar mitologia africana em sala (mas não nórdica ou helênica), sobretudo por razões religiosas pessoais e tal qual as alunas que citei não acham que é racismo deixar de falar em cultura africana, sobretudo mitos africanos na Educação e justificam com dogmas ou razões religiosas o que vai contra a lei 10639/03 que deixa de ser aplicada em sala de aula por razões religiosas sobretudo por professores evangélicos neopentecostais em todo Brasil.

 

Na semana seguinte, como já esperava, fui chamado a Coordenação e demitido sob a alegação da baixa avaliação institucional dos alunos da UnG (o que ocorre exatamente o contrário na pós Graduação que Ministro na Universidade de São Paulo, na qual sou muitíssimo bem avaliado pelos alunos). A Coordenação chegou a admitir quando coloquei esta questão, que o nível de minhas aulas (já que trabalhei clássicos que são trabalhados na USP) era muito superior ao do capital cultural dos alunos da UnG e que este "perfil cultural" foi um dos responsáveis pela nota institucional, ao que me admitiu mesmo ter sido influenciada por racismo e preconceito. Contudo como a diretiva do grupo SER é não deixar insatisfeitos os alunos e que o caso de ter utilizado o livro “Pedagogia dos Orixás" chegou à Reitoria em reclamações diversas vezes que ela contornou não deixavam alternativa senão a minha demissão.

O que não me surpreende em um país onde Instituições privadas de ensino que tem pouco critério de seleção e fazem inúmeras parcerias a fim de recrutar alunos com outras instituições privadas, inclusive religiosas, aconteça. E no final quem paga ou traz alunos acaba definindo o quadro profissional e até mesmo o currículo destas instituições em prejuízo da Laicidade em Instituições públicas e de leis Federais como a 10639/03 e 11645/11, por exemplo, do qual fui vítima através de avaliação institucional por defender. Ministério Público.

Agradeço a todas as entidades políticas, do Movimento Negro e das Comunidades Tradicionais que estão se manifestando e se manifestarão em repúdio ao ato de racismo, ofensa a laicidade e aos valores civilizatórios africanos na Educação por todo o Brasil, pois como acontece comigo, acontece com diversos professores que defendem estes valores e a laicidade Brasil afora conforme sabemos.

O repúdio a este ato gerou reações até mesmo do outro lado do Atlântico por parte das autoridades africanas que reconhecem minha obra como integrante do Renascimento Africano e representante dos valores civilizatórios africanos na Educação. A Família Real do Daomé na representada pelo herdeiro do trono o príncipe de Abomey Serge Guézo, descendente direto do Lendário Rei Guézo e de Na Agontimé, fundadora do Candomblé Jeje no Brasil como detalha o documentário de Pierre Verger quando foi desterrada ao Brasil como escrava e também tida como uma das precursoras da tradição do Tambor de Mina está colocando o assunto na pauta do Manifesto do Evento do Bicentenário do lendário Rei Guézo no qual autoridades tradicionais e intelectuais africanos discutirão suas questões.

O que mais deixou revoltada a família real do Daomé que reconhece em minha obra a defesa dos valores civilizatórios africanos na Educação foi o fato de uma mulher negra que talvez nem se declare negra repudiar e odiar os próprios ancestrais míticos de seu povo. Recusar a ancestralidade para um africano, independentemente da sua religião é negar um valor civilizatório central e o próprio senso de humanidade que o constitui criando um estado de barbárie inaceitável em uma sociedade.

Ancestralidade é Memória e Memória é Resistência assim afirmo em minha obra que por isso é reconhecida por estas autoridades como representantes do Renascimento Africano e um povo que nega a ancestralidade ofende a Memória Histórica Nacional e por não resistir se descaracteriza, e isto é o que mais os deixou tristes. Ou seja, um afrodescendente pode ter qualquer religião, mas chegar a odiar sua história e ancestralidade em nome disso já é ser uma aberração civilizatória. Como reação à agressão aos valores civilizatórios africanos na Educação reconhecida por esta família real em minha obra, o príncipe de Abomey Serge Guézo está refazendo o pedido de restituição do trono do rei Andadozan que foi enviado pelo rei Guézo ao Brasil no século XIX em uma missão diplomática do Daomé na busca da rainha Na Agontimé fundadora da Nação Jeje do Candomblé usando mais este argumento e em ato de repúdio a ofensa aos valores civilizatórios africanos presentes em minha obra.

Além de pertencer historicamente ao Benin por ser um elemento de culto aos príncipes de Abomey, esta ação segundo o príncipe Serge Guézo visa ser uma reação de repúdio que chame a atenção das autoridades para a agressão que os valores civilizatórios africanos presentes em minha obra sofreram assim como sofrem todos os professores que as defendem de forma heroica em nosso país. Também é um repúdio a invasão de nossas casas de matrizes africanas assim como sua ancestral Na Agontimé fundou no Brasil guardiãs de nossos valores civilizatórios pelo ódio religioso muitas vezes inclusive de negros que foram privados de ter o contato com os seus valores ancestrais (outra razão de minha obra reconhecida pela família real do Daomé) independentemente de suas religiões.

Também é um ato simbólico de solidariedade aos que lutam contra o genocídio da juventude negra de todas as formas muitas vezes privadas de seu patrimônio civilizatório e igualmente como uma forma de repúdio a este genocídio. A Família Real do Daomé levou à ONU o caso de agressão aos valores civilizatórios africanos na Educação representados em minha obra como denúncia a Comissão das Nações Unidas dos Direitos Humanos e a Comissão do Decênio dos Afrodescendentes por representação do Benim. Além desta a Família real de Savè na figura do rei de Savè que também reconhece minha obra como representante do Renascimento africano, descendente direto de Odudwa está mobilizando as autoridades reais de origem yorubá no Benim e Nigéria para um ato de repúdio. E por fim os estudantes das Universidades do Panafricanismo na África que usam meu trabalho como referencia e que os oriento dentro do mesmo estão divulgando a informação entre os outros estudantes para um ato de repúdio. Ou seja, não estamos sós. Em agradecimento a todos que se importam com esta causa informo que os links dos meus livros sobre Renascimento Africano e valores civilizatórios africanos para download e consulta gratuitamente estão disponíveis no meu perfil ( Ivan Poli ) da base acadêmica internacional (academia. edu ) , pois creio que intolerância, ódio e fundamentalismo só se combate com conhecimento.

Espero poder contar com este veículo de comunicação nesta denúncia.

IFE WON OMO IYA MI

(AMOR MEUS IRMÃOS) IVAN POLI (OSUNFEMI ELEBUIBON) - PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E AUTOR DO RENASCIMENTO AFRICANO E DEMAIS RENASCIMENTOS DO SUL

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