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SOBRE A VIOLÊNCIA EVANGÉLICA / Talibã Pentecostal?

 

Altierez dos Santos

Escritor e pesquisador de

Novos Movimentos Religiosos

na Universidade

Metodista de São Paulo

 

10 de Junho de 2015

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sobre as recentes notícias de membros de cultos evangélico-pentecostais que passaram a atacar igrejas católicas, terreiros e centros espíritas no Brasil, tecemos algumas considerações.

 

Antes de mais nada, as ações de alguns grupos ou pessoas isoladas não refletem o ethos da tradição protestante evangélica. São elementos isolados que merecem análise.

 

A violência, que faz parte da cultura do Brasil, ganha cada vez mais projeção sob a forma de violência religiosa com grande destaque, na mídia, para as denominações derivadas do pentecostalismo. É possível que nos próximos anos notícias como estas serão cada vez mais frequentes, já que alguns estudiosos apontam para o fato de haver muitos interesses (políticos e econômicos) por parte de certas lideranças. 

 

A impressão que se tem quando se toma contato com o credo doutrinário de uma ou outra denominação religiosa é que, na ausência de uma formação teológica mais sólida, elas se ativeram a vivenciar uma vertente de cristianismo mágico, onde o mal luta contra o bem para definir o destino dos Céus e da Terra. Algumas dessas denominações ainda fazem da identidade o fator essencial nesta luta e como identidade, incorporam o quesito de serem contrárias ao diferente, resultando que o catolicismo e outras religiões são assumidas não apenas como diferentes, mas como contrárias, algo a ser combatido.

 

É neste contexto bem preciso (que não representa, como dissemos, a totalidade do pensamento protestante), que acontecem os discursos de ódio às religiões diferentes. Como Padre Zezinho já disse em uma ocasião semelhante a esta, muitos "evangélicos" deveriam antes de tudo ser cristãos, já que na verdade parecem ser apenas anticatólicos.

 

 

QUEM SÃO OS EVANGÉLICOS?

 

É importante notar que "evangélico" nos dias atuais abriga uma variada formação de igrejas e movimentos muito distintos. Iniciando pelas grandes Igrejas históricas da Reforma do século XIV, o espectro protestante adquiriu grande diversidade. Muitas das associações ou igrejas surgidas no seio do próprio protestantismo não são aceitas pelos próprios protestantes como igrejas cristãs (em sentido estrito) por apresentarem inovações mais radicais. Além dos protestates históricos (luteranos, metodistas, presbiterianos e anglicanos), há os pentecostais e os neopentecostais. Uma grande variedade que se repete no Brasil, razão pela qual o número de 22% da população brasileira abrigada sob a pecha de "evangélica" não deve ser entendido como uma unidade total, mas como um gênero, pois há, nesses cerca de 40 milhões de pessoas, muitos modos de ser "evangélico". Aqui estamos analisando atitudes de grupos minoritários, claramente marcados pelo conceito de "guerra espiritual", que desenvolveremos em outra oportunidade.

 

Ainda dentro do universo reformado, o termo "evangélico" é uma designação muito genérica e que encobre o que o Prof. Leonildo Silveira Campos (Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo) chama de "empreendimentos evangélicos neopentecostais" e o Prof. Antônio Gouveia de Mendonça (Universidade Metodista de São Paulo) chamou anteriormente "sindicato de mágicos". As igrejas históricas também possuem embates com as congêneres neopenecostais e sofrem com a intolerância no próprio meio protestante. A recente reflexão do Pastor e Professor Cláudio de Oliveira Ribeiro, intelectual de respeitada liderança da Igreja Metodista sobre cultura de violência mostra que esta é uma preocupação não apenas dos católicos (confira o vídeo aqui).

 

 

O QUE ESTÁ POR TRÁS DA VANDALIZAÇÃO E PROFANAÇÃO DE ESPAÇOS E SÍMBOLOS CATÓLICOS?

 

O que está por detrás da guerra contra as imagens católicas não é um zelo religioso, já que é comum evangélicos terem em casa retratos de seus líderes vivos ou falecidos. Na verdade percebe-se que parte de sua definição como cristãos inclui de forma destacada o ser "anticatólico", que é uma forma simplificada de expressarem sua identidade em relação à identidade católica. A princípio essa oposição de divergência (que pode ser muito saudável) não deveria ser origem de violência.

 

No Brasil algumas novas iniciativas religiosas evangélicas optaram, desde há alguns anos, por uma postura anticatólica que se assume como principal doutrina. Elementos como a cultura visual e devocional católicas são detalhadamente esmiuçados e rigorosamente combatidos. A questão das imagens, por exemplo, é um assunto que tais grupos não conseguem dominar por ser um tema complexo e necessitar de um mínimo de reflexão.

 

 

A QUESTÃO DAS IMAGENS CATÓLICAS

 

Tecnicamente o que os católicos praticam não é ICONOLATRIA, mas ICONOFILIA, o que em termos teolológicos, filosóficos e semiológicos é muito diferente.

 

Antes de mais nada, se considerarmos a prática afetiva dos católicos como idolatria, seria preciso colocar na mesma condição a prática religiosa e a relação dos evangélicos com as imagens e mesmo com a cultura visual de modo geral. Ter uma fotografia ou assistir televisão seriam, por esta ótica estreita, uma relação proibida pela Bíblia, em Êxodo 20:4, por exemplo, que diz: “NÃO FARÁS PARA TI IMAGEM de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra”

 

Vejamos, o ensinamento bíblico é dado com a seguinte tônica: "Não farás imagens para ti e não te prostrarás diante delas" (Êxodo e Deuteronômio). Há duas formas de entender esta formulação. Primeiro, entendido de forma ampla, o ordenamento é uma proibição à adesão dos israelitas a outros cultos e, neste caso, não se aplica aos cristãos. A segunda forma de entendê-lo seria ao pé da letra, ou seja, os cristãos (todos eles) deveriam abolir total e completamente qualquer relação com as imagens, sejam elas de que natureza forem, pois incorreriam em pecado, já que imagem compreende ícone, estátua, litografia, fotografia, cinema, revista, televisão, mídias sociais etc.

 

PORQUE GRUPOS FUNDAMENTALISTAS NÃO SE ADEQUAM À PRÓPRIA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA?

 

Há muitos séculos que a Igreja Católica resolveu esta questão, durante o Segundo Concílio Ecumênico de Niceia, em 787.

 

Portanto, a questão é ponto pacífico para a catolicidade, que além do mais, possui uma tradição de cerca de dois mil anos, estando já em um estágio de reflexão teológica avançada. Para os católcos é costume dizer que qualquer criança que fez uma catequese básica sabe que a estátua ou a litografia são como um retrato de uma pessoa querida (que é, basicamente, a relação de afeto estabelecida com os santos).

 

O que seria uma transgressão das próprias regras "protestantes" (contra senso ou ironia de grupos intolerantes) está em que quando os evangélicos assumem a TV como modo de exibir suas programações. Algumas denominações realizam verdadeiros espetáculos ao solicitar curas e milagres à "figuração" do pastor (no sentido televisivo-teatral, já que naquele momento desempenha um papel). Em momentos como estes, eles não estariam fazendo exatamente o que condenam (descumprindo a proibição de dialogar com imagens que curam)? O conceito de "imagem" inclui não apenas as estáticas, mas as imagens fotográficas, televisivas ou cinematográficas.

 

 

INTOLERÂNCIA E FUNDAMENTALISMO

 

O outro lado da mesma reflexão é o de situações muito parecidas com o Estado Islâmico, o Boko Haram, Talibã e outros extremismos. Se o pavio da violência religiosa for aceso e entrar no campo da percepção consciente das pessoas, podemos esperar cenários perturbadores no Brasil.

 

Fato que demonstra isso é a reação cada vez mais vigorosa da sociedade contra esse modo polêmico e específico de ser cristão protestante: o do crente que é um escolhido e que será salvo e que, por isso, combate os ímpios que pertencem à Babilônia e que irão para o inferno. Pasmem, mas esta é exatamente a doutrina de algumas iniciativas evangélicas.

 

Na controvérsia ocorrida por ocasião do boicote à marca "O Boticário", no primeiro semestre de 2015, o pastor neopentecostal Silas Malafaia, motivado por intrerpretações fundamentalistas da Bíblia, quis mover uma cruzada contra a liberdade afetiva das pessoas. Em contrapartida recebeu um grande boicote e foi exposto com sua intolerância diante do repúdio que a sociedade lhe impôs.

 

Sobre os casos de vandalismo e profanação de Igrejas e símbolos católicos, é algo lamentável e doloroso, sem dúvida, e que merecem reações vigorosas dentro do rigor da Lei. A sociedade também deve se mobilizar civilmente ao fomentar a reflexão desses atos de forma pública. Expor atos hediondos em redes sociais, por exemplo, desde que acompanhados por reflexão ponderada, podem ajudar alguns grupos fundamentalistas a perceberem que suas estratégias são uma equivocada propaganda de zelo religioso. Ao mesmo tempo a reação pública por meio das mídias pode ser o caminho para evitarmos cenários de confronto aberto com radicais e extremistas, pois o embate sempre leva à reflexão.

 

Os católicos devem lembrar-se de que não estão sós nestes episódios de perseguição, primeiro porque são maioria, mas segundo, porque outras comunidades (espíritas, umbandistas, candomblicistas e outras mais) também sofrem com a intolerância e violência verbal ou física desta minoria.

 

É preciso colocar um ponto final a esta situação, mas ele deve ser feito de forma ética, constitucional e cristã. Se a reação for no mesmo nível, isto é, se católicos e espíritas passarem a invadir igrejas e agredir pessoas evangélicas nas ruas, então teremos algo similar à postura do grupo radical Talibã. A reação não deve e não precisa ser com a mesma violência usada pelos grupos persecutórios, postura firmemente recusada por Jesus. Quando se recusa algo, isso volta para quem o oferece.

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