top of page

SOLIDARIEDADE SOBRE RODAS/ Radical é ser do bem: ajudar a quem precisa e superar divisões

 

Rita de Cássia S. Luckner

Escritora, professora e pesquisadora da

Interface Teologia e Literatura

na Universidade

Metodista de São Paulo

 

26 de Dezembro de 2017

 

 

​

 

 

 

​

 

 

 

​

​

​

​

​

​

​

​

Exemplo: Uma das muitas campanhas que o Moto Clube Guardiões do Santuário realiza​

​

​

Os preconceitos estão por toda a parte e de diversas formas. O que seria possível pensar ao depararmos com um grupo de motociclistas barbudos, com trajes pretos e barulhentos? Pois em uma cidade interiorana localizada a aproximadamente 78 km de São Paulo, um grupo assim é conhecido não somente pelas motos e coletes de couro dos integrantes, mas pelo trabalho social que realizam.

​

O moto clube Guardiões do Santuário foi fundado há quatro anos por um grupo de amigos amantes do motociclismo, que por terem participado de outros clubes de motos, se empenharam para organizarem um grupo na cidade de Bom Jesus dos Perdões, onde moram, e dessa forma, trabalham em benefício de pessoas que precisam de auxílio. O grupo costuma organizar campanhas para arrecadação de agasalhos e mantimentos para famílias carentes da região, entre outras atividades. Em conversa com Wanderley Ramos, presidente do moto clube, ele nos contou como foi gratificante entregar bolas às crianças, que se não fosse por isso não teriam um presente de Natal, desejo de toda e qualquer criança. O vice-presidente dos Guardiões do Santuário, Claudiney Rodrigues, falou da satisfação de organizar a festa do Dia das Crianças e dar a elas um dia especial. Ele nos relatou como se emocionou ao ver um integrante do moto clube chorar pela felicidade das crianças, pois não teve na infância esse tipo de oportunidade. Em suas palavras sobre o colega: “Ele não teve isso quando criança, mas agora pode proporcionar essa alegria para outras crianças”.

​

Essas e outras ações dos Guardiões do Santuário, juntamente com outros colegas de outras cidades e moto clubes, trazem um significado ainda maior de solidariedade. Para tanto, o grupo é heterogêneo, sendo que não importa a origem, gênero, idade, etnia ou religião, mas a vontade de compartilharem o gosto por motos e, principalmente, a vontade de ajudar pessoas. Por sua heterogenia, encontramos pessoas de diferentes religiões ou espiritualidades e essa pluralidade é de grande interesse para o nosso grupo de estudos, o Observatório da Violência Religiosa.

​

A pergunta feita a alguns integrantes: “Você já sofreu algum preconceito, inclusive o preconceito religioso?”; trouxe dados decepcionantes em relação ao respeito pelas diferenças. Wanderley, que é católico, nos contou que teve o pedido de doação negado por um representante de uma igreja protestante, que justificou sua atitude negativa condenando o nome e o emblema do moto clube. No entanto, a caveira com a cruz no centro, que compõe a marca dos Guardiões do Santuário, tem um significado mais profundo do que se pode imaginar. Fabiano Souza, integrante do moto clube, que é de tradição protestante, nos explicou que a cruz está relacionada ao santuário que deu origem à cidade de Bom Jesus dos Perdões, e a caveira traz a simbologia da igualdade. Os relatos de outros motociclistas que pertencem ao Espiritismo e ao Candomblé, como Homer (presidente do moto clube Anjos sobre rodas), nos mostraram como ainda há intolerância em relação às diferentes espiritualidades, principalmente às que não fazem parte do conjunto das tradições do Cristianismo. Felizmente, o que alimenta o grupo é aproveitar esse diálogo de diferenças para uma causa que supere qualquer barreira construída pelo preconceito.

​

Isso nos remete às ideias da teóloga Kwok Pui-Lan, que defende a importância do diálogo não arbitrário, e de alteridade, que priorize questões importantes para o bem comum, como, por exemplo, as preocupações com o meio ambiente, a ruptura dos pensamentos que envolvem fundamentalismos e pré-julgamentos, valorização dos direitos humanos, busca pela igualdade e paz. Para Pui-lan, “o diálogo ajuda a identificar as preocupações comuns e promove a construção de uma comunidade humana mais ampla”. (PUI-LAN, 2015, p.25).

​

Não se pode negar que na contemporaneidade, a globalização alavancou fronteiras em diversos aspectos da vida humana; politicamente, economicamente, socialmente e religiosamente. Diante disso, a diversidade das comunidades dentro desse conjunto de aspectos que se emergiu, resultou tanto em vislumbres de novas possibilidades como também, no caso das religiões, em insegurança das tradições. Esse fenômeno atinge os sistemas de crenças que passam a não controlar mais seus limites originários, ou seja, suas “fronteiras”, em que os símbolos religiosos passam a circular com maior facilidade e liberdade.  Assim, a globalização traz a emergência de uma sociedade pós-tradicional, que é plural e cujas tradições, sem perderem suas particularidades e identidades, são levadas à exposição de seus elementos constituintes, a entrarem em contado com o diferente, e a passarem por um processo de questionamentos e de (re)interpretação ou reinvenção dos seus significados e sentidos. 

 

Pui-Lan alega que há aspectos positivos sobre a ruptura das fronteiras que esse processo promove, pois permite conexões entre movimentos religiosos e sociais, que se preocupam com os direitos humanos, com a democracia, com a proteção do meio ambiente e biodiversidade. Além disso, o efeito de compressão do tempo e espaço decorrente da globalização leva as pessoas a se aproximarem, e com essa aproximação as diversidades do mundo – cultural, religiosa, linguística, racial e étnica – são ressaltadas. Diante do pluralismo religioso que emerge, as religiões são postas diante de duas opções: defender a tradição com a recusa de abertura dialogal, de aceitação e tolerância, que muitas vezes implica no surgimento de fundamentalismos; ou, opta pela comunicação aberta e dialógica que, seguindo as ideias de FaustinoTeixeira (2016), é o desafio fundamental para a humanidade, envolvendo o exercício do diálogo inter-religioso, que exige tanto transformação, como também a capacidade de reconhecer semelhanças na diferença. Estabelecer um diálogo inter-religioso é dispor-se a refletir sobre suas tradições afirmando os seus valores, como também considerar a posição do outro e das diferentes formas de religiosidade, reconhecendo também a autenticidade e a significação delas.

 

É possível ter esperança de boas relações a partir da compreensão que o ser humano adquire de si mesmo e do próximo, fundamentadas no diálogo, que estabelece uma comunicação e relacionamento entre pessoas de tradições religiosas e espiritualidades diferentes, assim como outras particularidades dos indivíduos que pode trazer um crescimento individual e coletivo, que envolve o ato de compartilhar experiências e conhecimentos. Esta comunicação propicia um clima de abertura, empatia, simpatia e acolhimento, eliminando preconceitos para que haja mutualidade.

 

Deve-se pensar nas diferenças entre os seres humanos e no poder da religião e da religiosidade para união de forças, “um valioso recurso” para cuidar de problemas como “a proteção do meio ambiente, as desigualdades da pobreza, e os dilemas éticos produzidos pelo conhecimento científico e pela tecnologia” (PUI-LAN, 2015, p. 94).

 

O diálogo das diferenças pode exercer um papel importante na construção de uma ética voltada para a superação dos fundamentalismos e demais conflitos que excluem e até mesmo violam os direitos humanos.

 

O que podemos concluir aqui é que um grupo que pode representar apenas um grupo de motociclistas ressonantes – e até mesmo estranhos – para uns, para outros pode ser a ajuda que faltava para restabelecer a dignidade e valorização de seus direitos, que muitas vezes é negligenciado pelo poder governamental.

Portanto, parabenizamos o moto clube Guardiões do Santuário, pois reúne seres humanos preocupados com outros seres humanos, e não seres dessa ou aquela religião, raça, posição social, ou qualquer outra categorização que possa separar as pessoas. Todos os seres humanos são iguais? Não. Mas há igualdade nos direitos humanos, e quando não se consegue enxergar a igualdade na diferença, deve-se lembrar de que, diferentemente do ser humano que só enxerga o que está diante dos olhos, o “Senhor vê o coração” (1 Samuel, 16:7).

 

Referências:

  

PANASIEWICZ, Roberlei. Pluralismo religioso contemporâneo – Diálogo inter-religioso na teologia de Claude Geffré. São Paulo: Paulinas; Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2007.

​

PUI-LAN, Kwok. Globalização, gênero e construção da paz: o futuro do diálogo interfé. Tradução: Paulo F. Valério. São Paulo: Paulus, 2015.

 

RIBEIRO, Claudio de Oliveira; Souza, Daniel Santos. A Teologia das Religiões em foco – Um guia para visionários. São Paulo: Paulinas, 2012.

 

TEIXEIRA, Faustino. O Espírito e a teologia do pluralismo religioso. In: Tempos do Espírito – Inspiração e discernimento. Jaldemir Vitório, Manoel Godoy (orgs.). Belo Horizonte: SOTER; São Paulo: Paulinas, 2016.

© 2015 por OBSERVATÓRIO DA VIOLÊNCIA RELIGIOSA. Todos os direitos reservados.

  • Facebook Clean
  • Instagram Clean
  • Twitter Clean
  • Flickr Clean
bottom of page