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PROFESSOR IVAN POLI /

Observatório Entrevista

IVAN POLI

26 de Fevereiro de 2019

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OBSERVATÓRIO: Professor Ivan Poli, bom dia. Recentemente houve uma série de incidentes contra a sua pessoa relacionando sua pertença religiosa e sua função como professor em uma importante universidade do estado de São Paulo. Como foi isso?

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Bem, como sabido no meio das matrizes africanas, sou o único autor brasileiro reconhecido por autoridades tradicionais, políticas e acadêmicas como sendo autor do Renascimento Africano e dentro deste contexto produzi três obras de valor acadêmico que são: Antropologia dos Orixás, Pedagogia dos Orixás (que também é minha dissertação de Mestrado pela USP) e Paidéia Negra (Eko Orisa).

 

Em 2017 fui contratado pela Universidade de Guarulhos para ministrar aulas de diversas disciplinas, entre elas Filosofia, para o curso de Pedagogia em diversos semestres, e no caso do 5º semestre onde lecionava Filosofia os alunos iriam prestar ENADE.

 

]A Coordenadora viu em mim o diferencial de conhecer diversos países e falar diversas línguas e por isso me contratou para trazer capital cultural à formação dos alunos do curso de Pedagogia daquela instituição.

 

A primeira coisa que vi no caso do 5º semestre e da formação integral é que faltavam ali autores e textos centrais da Pedagogia como Rousseau, Platão, Pierre Bourdieu, e mesmo na área da Psicanálise autores como Winnicott que poderiam cair no ENADE, assim como filósofos como Nietzsche e tantos outros. 

 

Neste sentido com o aval da coordenação inclui estes autores e terminei usando para introduzir autores como Bourdieu e Winnicott o meu próprio livro “Pedagogia dos Orixás” (que também era minha dissertação de Mestrado, portanto, um texto acadêmico e não religioso) que nas áreas de Sociologia da Educação e Psicologia da Educação traziam estes autores de forma simplificada o que era ideal para o curso.

 

Acontece que na dedicatória de minha dissertação de mestrado, dedico o livro a Meus ancestrais africanos na figura de Xangô que é de quem descendo por origem materna e a pessoas como a recente saudosa Mãe Stella do Afonjá e sua casa o Ilê de Opo Afonjá assim como outros locais tombados pelo patrimônio histórico nacional e pessoas que lutaram contra o racismo no Brasil.

 

Isto foi razão para que minhas alunas evangélicas do 5º semestre se rebelassem e se recusassem a ler o livro (mesmo que não tivesse pedido que lessem a parte da defesa dos mitos africanos na Educação que faço em minha obra) dizendo que se tratava de uma obra do demônio.

 

Ao questionar que Weber escreveu a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo e nem por isso eu deixaria de ler um clássico weberiano por falar em protestantismo mesmo sendo de tradições africanas, as alunas evangélicas disseram que no caso do protestantismo não haveria problema por ser mais importante que as tradições africanas. Disse que aquilo era racismo e que não mudaria a indicação do livro Pedagogia dos Orixás só por minha dedicatória aos meus ancestrais e que fizessem uma resenha crítica dos capítulos indicando o porquê este livro não seria indicado para o caso do estudo de Bourdieu e Winnicott por razões acadêmicas.

 

Descontentes por não ter recuado, as alunas evangélicas na figura da representante que era evangélica igualmente foram a Coordenação com uma série de reclamações infundadas a respeito de minhas aulas (reclamando até do fato de lhes atribuir tempo de fazer atividades em sala o que era um pedido geral) e disseram que não deixei claro a razão pela qual estava usando o livro (acadêmico) Pedagogia dos Orixás nas aulas pedindo que eu dessas explicações suplementares 

 

A Coordenação ao invés de reprimir as alunas por racismo se dirige a mim e pede que eu me retrate perante aos alunos ao que advirto-lhes que poderia levar o caso ao Ministério Público uma vez que tenho liberdade de cátedra para decidir que obra usar e que aquilo era um ato racista.

 

Sou advertido novamente pela coordenação que volta atrás na declaração de ter me deixado mudar o programa para adequá-lo a realidade de universidades da qualidade da USP ou outras Federais e pedem mais uma vez que me adéque as vontades dos alunos que poderiam desistir de fazer o ENADE, pois não poderiam ser contrariados (ou seja, no final, as igrejas evangélicas que mandam seus alunos para estas instituições são no final quem mandam no currículo e dane-se a lei 10639/03 e 11645/08 ou qualquer outra lei Federal que obrigue o ensino de cultura africana e afro brasileira nas escolas,) transformando educação em mera mercadoria.

Deixo bem claro que aquilo não ficaria daquele jeito e dou uma atividade alternativa que era um questionário sobre laicidade no qual media o conhecimento dos alunos sobre algumas regras do Estado Laico o qual apliquei em todos os 5os semestres de todas as unidades que lecionava.

No dia da prova final peço a avaliação e as alunas evangélicas do 5º semestre da unidade de Bonsucesso do curso de Pedagogia da Universidade de Guarulhos se recusam a preencher este mesmo questionário e a representante ao ser questionado o porquê não fez a resenha e em o questionário disse que  tinha odiado minha dedicatória a meus ancestrais na figura Xangô e que aquilo era coisa do demônio e que por isso ela estava impedida de fazer aquilo e que se eu a marcasse no questionário ela levaria o caso para fora dali ( aonde não sei ) e que estava fazendo aquilo somente para salvar meu emprego ( deixando bem claro que todas as reclamações infundadas que fizera eram para que eu perdesse o meu emprego ). Chegaram a ir a diretoria e dizer que eu dei uma prova muito fácil igual ao um questionário anterior e que não se sentiram avaliadas só para me prejudicar ( mas não quiseram que aplicasse outra prova).

 

No questionário alternativo a resenha dos capítulos do livro Pedagogia dos Orixás perguntava coisas como se sabiam o que significava laicidade (ao que 70% não sabia). Achavam-se correto rezar o Pai Nosso em sala de aula na rede publica (o que 60 % achava correto e que 50 % disse que fariam esta prática).

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Perguntei dentre as mitologias nórdica, helênica, indígena e africana (Orixás) se havia alguma inapropriada para ser tratada em sala de aula e 80% dizem que a africana era imprópria por ser religião e que não trataria, a helênica teve nem 10 % de rejeição assim como a nórdica.  Mostrando o nível de brutal racismo cultural e desconhecimento da laicidade que estavam imersos tais alunos em geral.

 

Senti que o ódio surgiu logo quando apresentei minhas obras e disse que falar de mitos africanos fora do aspecto religioso na Educação não é proibido, o que era proibido era rezar o Pai Nosso em sala de aula por se tratar de uma liturgia.

 

O pior é que esta representante de sala principal algoz de minha causa é negra e odeia os próprios ancestrais negros provavelmente pelo o que um pastor semianalfabeto que não deve ter passado a um quilometro de um curso serio de Teologia e Filosofia lhe disse, sendo assim uma aberração civilizatória como tantas outras que nossas universidades Privadas que veem a educação como mercadoria formam, propagando preconceitos e racismo cultural.   

 

 

 

 

OBSERVATÓRIO: Temos visto muitos casos semelhantes ao seu, onde, em geral, pessoas ligadas a movimentos cristãos fundamentalistas demonizam e perseguem, inclusive chegando ao nível da agressão física, pessoas que pertencem a religiões de matriz africana. A partir de sua experiência e de sua formação intelectual diferenciada, como o senhor analisa esse fenômeno que está tomando proporções tão grandes quanto catastróficas no País?

 

Como falo, esta formação de exércitos de aberrações civilizatórias (brasileiros que negam a sua própria história e origem ancestral) se dá dentro de um momento de desordem mundial (que não é só no Brasil) o qual responde a esta desordem pelo conservadorismo misturado com a resposta religiosa assim como fala o grande Antropólogo Georges Balandier. Já passamos isso em outros momentos, no início do século XX, por exemplo, a resposta conservadora a então desordem teve seu ápice no nazismo e no fascismo unido a resposta religiosa igualmente com a adesão das correntes religiosas conservadoras a este regime... 100 anos depois, depois de 2008 e a crise do neoliberalismo e imersão do mundo em uma nova desordem mundial surgem novamente as respostas religiosas e conservadoras a esta desordem, contudo a história tem mostrado que estas respostas não trazem uma ordem mais perfeita e nem se consolidam , piorando a situação de desordem e tendo um fim por si próprios dando espaço para a resposta pelo movimento e transgressão que no século XX foi o movimento Modernista e no século XXI creio ser os Renascimentos do Sul assim como o Latino a Africano do qual minha obra faz parte .

 

 

  

OBSERVATÓRIO: Há uma identificação no discurso fundamentalista cristão evangélico (principalmente, mas não só) com a perseguição a outras expressões religiosas?

 

Sim, os católicos, Wicca, indígenas e todos demais povos tradicionalistas sofrem com essa perseguição.

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OBSERVATÓRIO: Professor Poli, nas últimas eleições no País, assistimos à ascensão de grupos com motivações radicais contra as minorias. Entre as plataformas de sustentação desses grupos há a importante colaboração dos grupos conservadores cristãos fundamentalistas. O senhor acredita que essa conjugação de fatores vai afetar ainda mais as pessoas pertencentes a religiões afro-brasileiras?

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Bem as tradições afro-brasileiras resistiram a horrores como a escravidão e não creio que chegarão a ser extintas, contudo os ataques que sofreremos em uma nova conjuntura de ascensão de grupos fascistas cristãos que ajam contra nossas minorias serão mais intensos ainda mais sendo promovidos juntamente com políticas de Estado como o boicote a obrigatoriedade da cultura afro-brasileira em material didático como foi o caso do ultimo edital do governo para livros didáticos. Demos poucos passos nos governos progressistas que se viam também de alguma forma comprometidos com grupos conservadores quando estavam no poder, contudo ainda tínhamos a palavra final para tomar políticas publicas de inclusão a antifascistas e fundamentalismas... Bem só pra se ter uma ideia, imagine o que não fará uma Ministra dos Direitos Humanos que disse já ter visto Jesus na goiabeira e que combate as políticas das minorias... É de dar medo.

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OBSERVATÓRIO: Professor é possível afirmar que há uma ligação entre a perseguição religiosa e o racismo explícito da sociedade brasileira?

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Bem pelo o que sofri posso dizer que sim, contudo a perseguição religiosa e cultural (que foi meu caso) é ainda mais sutil, pois vemos negros cristãos negando sua identidade e cultura originais e ancestrais em nome desta perseguição religiosa, criando assim um país de aberrações civilizatórias ao invés de pessoas autonomamente cultas e livres em seu discernimento cultural.

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LEIA MAIS:

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