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LIBERDADE PARA TODOS/ Um panorama da História e das consequências da escravidão no Brasil

 

Rita de Cássia S. Luckner

Escritora, professora e pesquisadora da

Interface Teologia e Literatura

na Universidade

Metodista de São Paulo

 

5 de Outubro de 2015

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

Grande parte da história da colonização europeia, e do desenvolvimento do setor mercantil da economia, foi escrita com o suor e o sangue dos indígenas e africanos escravizados. A escravidão se caracteriza pela privação do ser humano de viver socialmente. O escravo não apenas pertence ao senhor para o trabalho forçado, como também é submisso às vontades dele, o que priva tal ser humano de toda a liberdade de ir e vir, de vida digna para agir pela própria vontade, ter suas convicções e crenças.

 

A chegada dos europeus às terras brasileiras foi um acontecimento espantoso para os índios, tal presença só lhes era compreendida pela sua visão mítica do mundo. Eram aqueles homens enviados pelos deuses? Eram bons ou maus? Infelizmente os indígenas tiveram essas respostas de forma dura e trágica. O grupo de homens de além-mar era agressivo, capaz de atuar destrutivamente de múltiplas formas, principalmente com uma infecção mortal trazida pelo corpo desses homens, que debilitou e levou à morte grande parte da população pré-existente. (RIBEIRO, 1995). Após conflitos, massacres e abusos dos indígenas escravizados, sugando suas terras, suas riquezas, seu trabalho, e se infiltrando e transfigurando sua cultura; os colonizadores, ao tomarem conhecimento da força do homem da África, substituíram gradativamente a mão de obra indígena pelo trabalho do negro, não poupando no tráfico de cativos nem as mulheres e as crianças, com o intuito de garantir um futuro abastecimento do quadro de escravos, cujo comércio tornou-se lucrativo. Portugal manteve um sistema de tráfico de escravos por mais de três séculos, e sendo o Brasil o país, entre o Cone Sul, que mais tardiamente aboliu a escravatura, em 1888. Porém, as novas leis nada garantiram de direitos aos que sonhavam com a liberdade. Restou aos ex-escravos poucas opções de sobrevivência, se depararam com o desemprego, a fome, e as dificuldades de serem reconhecidos como integrantes daquela sociedade.

Assim, o Brasil foi marcado pela dor física e psicológica a qual os escravos foram submetidos, como pontou Darcy Ribeiro:

 

A empresa escravista, fundada na apropriação de seres humanos através da violência mais crua e da coerção permanente, exercida através dos castigos mais atrozes, atua como uma mó desumanizadora e deculturadora de eficácia incomparável. Submetido a essa compressão, qualquer povo é desapropriado de si, deixando de ser ele próprio, primeiro, para ser ninguém ao ver‐se reduzido a uma condição de bem semovente, como um animal de carga; depois, para ser outro, quando transfigurado etnicamente na linha consentida pelo senhor, que é a mais compatível com a preservação dos seus interesses. (RIBEIRO, 1995, p. 118).

 

Mesmo com todo sofrimento e submissão, os negros nunca abandonaram seus costumes e sua religião. Ainda que o trabalho fosse estafante, eles organizavam suas festas com seus rituais, sons de tambores, e o ritmar de suas danças e dos cantos em sua língua materna. Posteriormente, com a abolição da escravatura, incentivou-se a entrada de imigrantes para substituir a mão de obra escrava. A visão romanizada do catolicismo, trazida por eles e pelas congregações religiosas europeias, contrastava com a prática do catolicismo negro, indígena e português, que era bastante sincretizado culturalmente. Assim, esses grupos, com suas expressões religiosas, festas, santos e devoções, tornaram-se estrangeiros dentro de sua própria igreja. Hoje, as crenças e tradições afro-americanas e sua participação dentro do crescente pluralismo religioso estão distribuídas pelo arco das diversas manifestações religiosas, e de suas mútuas relações, influências, conflitos e exclusões. (BEOZZO, 1995).

 

As raízes africanas foram propagadas pelo sangue, com o nascimento das crianças mestiças e não mestiças no novo país, adquirindo assim, uma nova identidade. E apesar de todas as vicissitudes que o negro enfrentou, e ainda enfrenta, é aquele que juntamente com os índios, representa um componente singular ao Brasil, e lhe traz novas cores e ritmos. Para Ribeiro, o “enorme contingente negro e mulato é, talvez, o mais brasileiro dos componentes de nosso povo.” (RIBEIRO, 1995, p. 130).

 

Há uma polêmica em torno do preconceito existente em todo mundo. No Brasil, por terem sido os índios e, principalmente, os negros, a força propulsora do progresso das classes dominantes do passado, trouxe a eles uma situação de desigualdade diante dos brancos, ao invés do reconhecimento do seu importante papel no desenvolvimento do país. O preconceito está por toda parte, e o campo religioso atualmente é cenário de intolerância e violência entre aqueles que se recusam a conviver com o hibridismo religioso que caracteriza o Brasil. Mesmo sendo parte integrante do nosso país, ainda causa estranheza para muitos o fato de que as religiões de raízes africanas têm sua legitimidade como qualquer outra religião, que precisa, e merece o respeito reivindicado pelos adeptos dessa tradição. É de direito de todos, de qualquer expressão religiosa, a liberdade de experimentar, seguir e afirmar a sua fé.

 

Referências:

BEOZZO, José Oscar. Mundo afro-americano e Igreja no Cone Sul. In: Construindo diálogos História, educação e ecumenismo: Homenagem a Martin N. Dreher. Miquéias Henrique Mugge, Erny Mugge e Iria Hauenstein (Org.). São Leopoldo: Editora Oikos 2010.

 

RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

 

© 2015 por OBSERVATÓRIO DA VIOLÊNCIA RELIGIOSA. Todos os direitos reservados.

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